Igreja Universal é acusada de obrigar ex-pastor a se filiar em partido

A Igreja Universal Reino de Deus foi acusada de cometer uma série de crimes em ações judiciais movidas por ex-membros integrantes da instituição religiosa. As acusações incluem assédio moral, perseguição e proibição de gerar herdeiros, conforme relatado por ex-obreiros, pastores e esposas de pastores.

Conforme o processo registrado no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), do Distrito Federal, um ex-pastor teria sido compelido a realizar uma vasectomia, isto é, um procedimento clínico que o impede de ter filhos, em uma clínica clandestina. O homem pede pelo pagamento de R$ 500 mil em dívidas trabalhistas.

“Além de ter atuado como pastor com vínculo empregatício, o Reclamante foi compelido a realizar procedimento de vasectomia, em Clínica Clandestina situada em Taguatinga, na Comercial Norte DF, como condição obrigatória para sua permanência na sua função de pastor […].”

O documento destaca que outra exigência para a manutenção do cargo seria a “filiação compulsória do reclamante e sua esposa ao partido político Republicanos”. Fundada por pastores da Igreja Universal em 2005, a legenda possui 4 senadores e 42 deputados federais em exercício – no Distrito Federal, o partido é representado por Damares Alves no Senado.

O autor do processo ainda aponta que a instituição estabelecia metas para recolhimento de dízimos e aplicava punições em caso de não cumprimento. O processo descreve as penalidades como “consistentes na transferência de pastores de cidade ou no rebaixamento da função de pastor para a de auxiliar de pastor, como ocorreu com o reclamante”.

Um segundo processo cobra o pagamento de R$ 3 milhões pelo ferimento de direitos trabalhistas e o pagamento dos custos em uma nova cirurgia de reversão de vasectomia. O ex-pastor relata que atuava no local quando se apaixonou pela atual esposa, mas que para casar-se com ela, precisou da permissão de um superior.

“Iniciaram as coações pela realização da cirurgia de vasectomia, assim como teve que conviver com constantes ameaças e imposições da reclamada para melhorar suas arrecadações financeiras junto aos fiéis, cujas metas eram cada vez mais complexas, sob pena de não ter seu casamento autorizado pela igreja.”

Assédio moral

Outro processo que tramita no TRT-10 diz respeito à esposa de um ex-pastor que alega ter sofrido perseguições e assédio moral dentro da Igreja Universal. Conforme a ação, a instituição teria se aproveitado de sua mão de obra sem pagar pelos direitos trabalhistas. Ela pede a condenação no valor de R$ 1,5 milhão.

“Cabe acrescentar que as esposas, junto com os maridos pastores, tinham metas para serem cumpridas”, diz o documento. O casal teria sido alvo de privações nas suas vidas particulares, desde a segregação do convívio familiar até a proibição de ter outros filhos, conforme informações relatadas pela mulher.

Ela expõe que a igreja promove um grupo direcionado a mulheres com o objetivo de decretar regras comportamentais, desde a vestimenta até hábitos pessoais de fala e ação. De acordo com ela, o núcleo criado por Cristiane Cardoso – filha do bispo Edir Macedo, líder e fundador da Igreja – exige que as mulheres passem por uma “espécie de prova”, que consiste na arrecadação de valores e cumprimento de tarefas para demonstrar a disposição.

O que diz a Universal

Por meio do Departamento de Comunicação Social e de Relações Institucionais, a Igreja Universal divulgou uma nota em que nega as acusações das denúncias:

“A Igreja Universal do Reino de Deus esclarece — o que já é público — que a acusação de imposição de vasectomia é facilmente desmentida pelo fato de que muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de hierarquia da Igreja, têm filhos. São mais de 3 mil filhos naturais de membros do corpo eclesiástico da Igreja. O que a Universal estimula é o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal — como, aliás, está previsto em nossa Constituição Federal.

Quando uma pessoa opta pela vasectomia, como método contraceptivo, é algo completamente particular, entre médico e paciente/casal, não podendo ter qualquer ingerência de terceiros neste ato, ainda que fosse por motivo de credo.

Posto isto, vale lembrar que, assim como acontece com qualquer instituição neste país, seja religiosa ou não, a Universal também não é responsável por quaisquer decisões particulares de nenhum dos seus oficiais — que gozam de plena capacidade de decisão, sendo totalmente aptos para sua vida civil com absoluta autonomia.”

Pressão para emagrecer

Em novembro, uma reportagem do The Intercept Brasil revelou o caso de outro ex-pastor, Robson Fonseca da Silva, que moveu um processo judicial contra a Igreja Universal por ser alvo de uma rotina de cobranças para a redução de peso, por meio do envio de imagens por aplicativo de mensagens.

Em depoimento, o ex-pastor narra como eram as cobranças dos superiores sobre seu processo de emagrecimento: “Já perdeu quanto até agora?”, indagava pelo WhatsApp o bispo Josué Amorim, que comanda a Universal no estado do Piauí.

“É uma coisa assim, da cabeça deles. O pastor tem que ser um exemplo, um boneco, um modelo. Eu não sei nem descrever. O que passa na cabeça deles quando eles cobram esse tipo de coisa? Não sei. Porque não faz o menor sentido. Até porque, obeso ou magro, cor de pele, alto, baixo, não interessa. Isso aí nunca influenciou e jamais deixei influenciar no trabalho.”

“Se não perder peso, é punido. Volta para o fim da fila, volta a ser auxiliar”, teria dito o bispo em uma conversa no seu escritório em fevereiro de 2017, de acordo com Silva. A cobrança ocorreu assim que o pastor foi transferido do Rio de Janeiro para Teresina, capital do Piauí.

Silva teve sentença declarada como improcedente em primeira instância, na 38ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. O recorrente buscou o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RJ) para retomada da ação para ouvir as testemunhas do caso e, em seguida, seguir para um novo julgamento.

A discriminação teve início em 2017 e perdurou por mais três anos, até sua demissão da instituição, em março de 2020. Sua decisão de desligamento teve motivação na mudança de orientação da Igreja: “Havíamos decidido sair por ter visto tudo o que a gente viu acontecer na Igreja”, conta, referindo-se às saídas dele e da esposa, a obreira Luciana Mendes Campos da Silva.

Segundo ela, a cobrança pelo fluxo de caixa era persistente: “Essa cobrança excessiva, as vendas de livros, de mel, de ingressos de cinema para ver o filme do bispo, são coisas que não batiam com o Evangelho. Não tinha nada a ver com a pregação que eles dizem fazer da Bíblia”, revela.

Em seu depoimento, o pastor indica que a gordofobia teve início quando um nome ascendeu como número dois na hierarquia na Igreja Universal: Renato Cardoso, esposo de Cristiane Cardoso.

Ele também narra uma ocasião em que o bispo Edir Macedo teria dito que investiria seu dinheiro em almas, mas que dispendeu seu patrimônio em uma mansão nos Estados Unidos no valor de milhões de dólares. “Estamos trabalhando para Jesus ou para o Macedo?”, teria questionado Silva a sua esposa.

Proibição de casamentos interraciais

O ex-pastor da Universal ainda revelou que a Igreja adotava uma prática discriminatória de racismo, a de não permitir relacionamentos entre pessoas de diferentes grupos étnico-raciais. “Negro não podia casar com uma branca, nem branca com um negro”, afirma.

“Houve um tempo lá dentro que o pastor tinha de casar com uma noiva, uma obreira, da mesma cor de pele que ele. Por exemplo: um branquinho não podia casar com uma moreninha, e vice-versa. Essa prática ainda existe lá dentro, até hoje.”

Fonte: Revista Fórum