Ex-presidente da OAB-AM comenta sobre exigência do Quinto Constitucional

O advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM) e ex-procurador de Justiça do Estado do Amazonas, Oldeney Sá Valente, divulgou por aplicativo de mensagem, nesta segunda-feira (03/11), contra a exigência imposta pela OAB Nacional de que advogados tenham dez anos ininterruptos de exercício da profissão para concorrer à vaga de desembargador pelo Quinto Constitucional.

A análise de Valente vai ao encontro do debate que ganhou força após a OAB Nacional editar, em agosto de 2025, um novo provimento alterando o Provimento nº 102/2004, que passou a exigir 10 anos ininterruptos de exercício da advocacia imediatamente anteriores ao edital. A medida impactou diretamente o processo eleitoral para a vaga aberta no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), decorrente da aposentadoria do desembargador Domingos Chalub.

A nova norma foi editada, em agosto de 2025, pelo presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, aliado de um dos postulantes ao cargo de desembargador, e acompanhada pela OAB Seccional Amazonas.

Entre os afetados pela nova regra está o advogado Flávio Antony, que nos últimos sete anos atuou cargo público. A norma da OAB o impedia de registrar sua candidatura, o que o levou a ingressar com ação judicial no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-AM) para garantir seu direito de disputar o pleito.

Artigo 94

Oldeney Valente classifica o artigo 94 como norma de eficácia plena, ou seja, autoaplicável e suficiente para reger o processo do Quinto Constitucional.

“A questão se resolve na própria dicção inequívoca do artigo 94: mais de dez anos de efetiva atividade profissional. Nada além disso. De modo bem nítido e inteligível, estabelece, exatamente, o único requisito temporal a ser preenchido pelo advogado pretendente a concorrer no processo seletivo da lista sêxtupla do quinto constitucional, a saber: contar ‘mais de dez anos de efetiva atividade profissional’, o que pressupõe a prática de atos privativos de advogado por tempo superior a uma década, que tanto pode ser tempo ininterrupto como descontínuo ou intermitente.”, assevera o jurista.

A análise de Valente e a ação movida por Flávio Antony reacendem o debate sobre os limites do poder normativo da OAB e a necessidade de garantir segurança jurídica e igualdade de condições no processo de escolha dos representantes da advocacia nos tribunais.

Limites

O artigo do advogado Oldeney Valente também observa que, embora o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) autorize o Conselho Federal da OAB a editar provimentos sobre a formação da lista sêxtupla, esse poder não pode contrariar a Constituição.

“É certo que o Provimento do Conselho Federal da OAB, por ser norma de categoria inferior, não pode contrariar o que a Lei Fundamental, de modo incontrastável, estabeleceu. É dizer, em suma: no caso em exame, o poder de regulamentar a norma legal não pode transbordar na criação de exigências ou requisitos, inclusive de natureza temporal, além daqueles taxativamente previstos, em numerus clausus, no artigo 94 da Constituição Federal”, analisou o jurista.

Veja a carta na íntegra:

*Oldeney Sá Valente
Advogado, ex-Presidente da OAB-AM
Há dias que a Imprensa local e as mídias sociais vêm trazendo notícias da discussão que ora se trava, nos meios jurídicos locais, acerca dos requisitos exigidos dos advogados que pretendem concorrer à lista sêxtupla para o preenchimento da vaga de desembargador aberta no nosso Tribunal de Justiça.

Até onde pude entender, a controvérsia se resume na seguinte indagação: Pode a OAB, por meio de Resolução ou de Provimento, validamente criar, suprimir, ampliar e exigir do advogado que pretenda concorrer no processo de escolha requisitos novos não previstos no artigo 94 a Constituição Federal?

Com todo respeito, a questão me pareceu tão simples de ser respondida, que eu resolvi, mesmo sem ser chamado a opinar, divulgar o meu modesto entendimento sobre o assunto. E o faço arrimado nos seguintes elementares fundamentos:

Um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, guiado pelo princípio da hierarquia normativa, corolário do princípio da legalidade estrita, estabelece que a norma regulamentar não pode criar direitos, obrigações, restrições, condições ou requisitos não previstos pelo legislador no legitimo exercício do poder legiferante. Estando a matéria regulada na Constituição, aí mesmo é que não pode a lei ordinária, tampouco decreto, resolução ou provimento, a pretexto de regulamentar, criar exigências novas e impor o seu cumprimento.

Mas, não só por isso. A vedação à norma regulamentadora de inovar no mundo jurídico está alicerçada em outros princípios igualmente caros ao Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, dentre outros, os princípios da garantia jurídica e da separação de poderes inerentes ao regime constitucional brasileiro.

Segue-se, daí, que, sob pena de violar as garantias e os direitos individuais assegurados em nossa Lei Fundamental, decretos regulamentares, resoluções e portarias administrativas não são fontes autônomas de obrigação, mas devem fiel subordinação ao comando legal, sob pena de não terem força para obrigar ao seu cumprimento.

Repita-se: pelas limitações da hierarquia normativa, o regulamento é norma inferior, e não pode modificar a lei, seja restringindo, seja ampliando suas disposições. Por isso, ao estruturar a República brasileira com base na divisão funcional do poder, a Constituição Federal é clara, ao estatuir, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da legalidade ínsito no inciso II de seu artigo 5º, que assim estabelece: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

No caso do quinto constitucional relativo à advocacia, os requisitos para o preenchimento de vaga aberta nos tribunais pelos advogados estão assim estabelecidos no artigo 94 da Constituição Federal: “notório saber jurídico, reputação ilibada e mais de dez anos de efetiva atividade profissional”, estritamente, nada mais.

Da leitura do mencionado preceito constitucional, no que concerne ao tempo de exercício da profissão, vê-se que o período superior a dez anos é o único requisito a ser exigido e aferido no certame destinado ao preenchimento da vaga, não se podendo sequer argumentar
com o princípio de reserva legal, seja absoluta, seja relativa, visto que essa possibilidade, pela cláusula “nos termos da lei”, não foi contemplada no mencionado dispositivo constitucional.

Portanto, não existe qualquer chance válida de modificação, restrição ou ampliação do requisito temporal, nem a criação de outros requisitos, possibilidade essa totalmente inexistente, pois sequer foi colocada no campo da reserva legal. Ou seja, se a Constituição não fixou outros requisitos, nem deixou tal faculdade à reserva legal, não pode a lei ordinária, tampouco resolução ou provimento, fixar.

A mesma inviabilidade de modificação da lei pelo seu decreto regulamentador aplica-se, por óbvio e igualmente, ao provimento ou resolução. Também esses mecanismos normativos, inferiores à lei, não a podem alterar, muito menos mudar ou extravasar o preceito constitucional, instituindo obrigações e critérios novos para o exercício dos diretos estabelecidos na fonte primária do sistema normativo, menos ainda se, por meio de artifícios interpretativos, buscar-se ocultar desvios de finalidade, casuímos, privilégios, discriminações, preferências ou caprichos pessoais contrários ao ordenamento jurídico.

Ademais, da forma como redigido, com dicção inequívoca e enxuta, o artigo 94 da Constituição Federal enquadra-se na categoria de norma de eficácia plena, segundo a classificação proposta pelo eminente Constitucionalista Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA.

Por conseguinte, o aludido dispositivo consubstancia uma norma autoaplicável, acabada, que se basta por si mesma, sem necessidade de lei posterior regulamentadora para lhe completar o alcance e o sentido, podendo ser aplicada diretamente e, assim, produzir seus efeitos sem necessidade de qualquer complementação legislativa.

Nessa linha de pensamento do festejado Mestre do Direito Constitucional Brasileiro, podemos dizer que o artigo 94 da Constituição da República, ao estabelecer os requisitos materiais que o advogado deve possuir para poder compor a lista sêxtupla do quinto constitucional, produziu, desde sua entrada em vigor, o completo efeito normativo que o legislador constituinte, de modo claro, objetivo e preciso, entendeu suficiente para regular o certame, inclusive quanto ao tempo de atividade profissional objeto da discussão.

Como é de sabença elementar, mesmo que, embora sem necessidade, exista lei regulamentadora, esta não pode criar limitações ou restrições à aplicação da norma constitucional de eficácia plena. Logo, não há possibilidade alguma de, mediante provimento, resolução ou qualquer outro mecanismo normativo, criar-se requisitos novos que importem em restrições de direito ao advogado que preencha os três únicos requisitos exigidos pela Constituição da República.

Tanto assim é que, atento a essa peculiaridade da norma constitucional de eficácia plena, ao tratar da competência do Conselho Federal, a Lei 8.906, de 4/7/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB), no seu artigo 54, reza que a lista sêxtupla para o preenchimento dos cargos nos tribunais judiciários de âmbito nacional ou interestadual será formada com advogados que estejam “em pleno exercício da profissão”.

É claro que o tempo de exercício da profissão precisa ser por mais de “dez anos de efetiva atividade profissional” desempenhada na prática de atos privativos de advocacia, nos exatos termos em que dispôs o legislador constituinte, isto é, sem qualquer exigência de ser esse tempo ininterrupto e imediatamente anterior à publicação do edital do certame. Basta ver e ler, com a indispensável isenção, o artigo 94 da Lei Maior.

No caso de lista sêxtupla para preenchimento de cargos nos tribunais estaduais, a Lei 8.906, de 4/7/1994, sem fazer remissão ao requisito temporal fixado na Constituição Federal, apenas manda observar o Provimento do Conselho Federal (art. 58, XIV, do EAOAB).

Contudo, é certo que o Provimento do Conselho Federal da OAB, por ser norma de categoria inferior, não pode contrariar o que a Lei Fundamental, de modo incontrastável, estabeleceu. É dizer, em suma: no caso em exame, o poder de regulamentar a norma legal não pode transbordar na criação de exigências ou requisitos, inclusive de natureza temporal, além daqueles taxativamente previstos, em numerus clausus, no artigo 94 da Constituição Federal.

Em abono desse entendimento poder-se-ia perscrutar a extensa doutrina e a jurisprudência do Direito Constitucional e, com base nelas, escrever centenas de páginas sobre o tema, principalmente porque sempre haverá quem queira aprofundar e examinar a questão sob outros diferentes aspectos que ela possa comportar e que devem mesmo ser vários.

Mas, sem querer ser dono da verdade, pensamos que, ante a clareza ofuscante da norma constitucional, não é preciso maior esforço, melhor dizendo, nenhum esforço, para se chegar à conclusão correta.

Com efeito, sem necessidade de alta indagação jurídica, pode-se dizer que a questão se resolve na própria dicção inequívoca e objetiva do examinado artigo 94 da Constituição Federal, que, de modo bem nítido e inteligível, estabelece, exatamente, o único requisito temporal a ser preenchido pelo advogado pretendente a concorrer no processo seletivo da lista sêxtupla do quinto constitucional, a saber: contar “mais de dez anos de efetiva atividade profissional”, o que pressupõe a prática de atos privativos de advogado por tempo superior a uma década, que tanto pode ser tempo ininterrupto como descontínuo ou intermitente.

Ressalte-se que estas breves considerações não incursionam sobre se a norma constitucional analisada é justa ou injusta, se está certa ou errada, se beneficia ou prejudica esse ou aquele candidato. Tais nuances, essas outras, demandariam análise ainda mais aprofundada do problema. Mas este não é o objetivo desta específica e singela apreciação.
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