
Mundo – O jornalista norte-americano Glenn Greenwald publicou, nesta sexta-feira (15), uma declaração de Valeria Chomsky, esposa do linguista Noam Chomsky, que desmente categoricamente a versão de Jeffrey Epstein sobre uma suposta ligação telefônica entre o financista e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria ocorrido durante a prisão em Curitiba.
A nota, onde Valeria classifica a alegação como “falsa”, representa um recuo para o próprio Greenwald, que teve papel central em impulsionar a narrativa agora desmentida.
A nova onda de desinformação começou com a divulgação, pelo Congresso dos Estados Unidos, de mais de 20 mil páginas de documentos ligados a Jeffrey Epstein, condenado por crimes sexuais. Entre as mensagens, há um e-mail de 2018 em que o financista escreve a frase enigmática: “Chomsky me ligou com Lula. Da prisão. Que mundo”.
O texto, sem qualquer contexto, corroboração ou prova, foi suficiente para alimentar manchetes insinuando proximidade entre Lula e Epstein. Veículos brasileiros noticiaram a frase como “suspeita”, enquanto sites e influenciadores de extrema direita trataram o trecho como prova de um contato direto. Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) afirmou que “a citada ligação telefônica nunca aconteceu”. Mesmo assim, o trecho foi usado em montagens associando Lula ao financista.
O papel de Greenwald na amplificação da fake news
Glenn Greenwald teve papel central na disseminação inicial desse relato. Em postagem no X (antigo Twitter), o jornalista relatou como fato que, durante a visita de Chomsky a Lula na prisão, o linguista teria telefonado para Epstein de dentro da carceragem, baseando-se apenas no e-mail do criminoso sexual.
O post de Greenwald, feito sem checagem prévia com a família Chomsky, foi usado como selo de credibilidade por perfis bolsonaristas, que passaram a acusar Lula. Sites alinhados à direita como Brasil Paralelo e Revista Oeste transformaram a frase em conteúdo político contra o presidente, omitindo que a única fonte era o próprio Epstein.
A ironia é que o mesmo Greenwald, conhecido no Brasil por liderar a Vaza Jato (que expôs a parcialidade da Lava Jato contra Lula), agora deu palco a um e-mail isolado e não verificado, oferecendo munição para o mesmo campo político que se beneficiou da prisão do petista em 2018.
Diante da repercussão, Greenwald publicou em suas redes a carta de Valeria Chomsky. No documento, datado de 14 de novembro de 2025, Valeria relata que acompanhou pessoalmente a visita do marido a Lula em 20 de setembro de 2018, na sede da Polícia Federal em Curitiba. Ela afirma que os dois tiveram de deixar os celulares na recepção, foram revistados pela PF e permaneceram o tempo todo na sala com o então ex-presidente. Segundo Valeria, ela própria atuou como intérprete durante toda a conversa entre Lula e Chomsky. A esposa do linguista reforça que qualquer afirmação de que houve telefonema entre Lula e qualquer interlocutor, com intermediação de Noam Chomsky, é “infundada e falsa”. O relato, portanto, desmonta a narrativa de Epstein.
Advogado de Lula e Fórum já haviam negado a versão
Antes mesmo da carta de Valeria vir a público, a versão de Epstein já tinha sido desmentida por quem acompanhou presencialmente as visitas. O advogado Luiz Carlos da Rocha, que integrou a defesa de Lula e esteve com Chomsky na PF de Curitiba, classificou as reportagens sobre a suposta ligação como “lixo” e “molequice”.
Em entrevista relatada pela Revista Fórum, Rocha explicou que todas as visitas a Lula seguiam protocolo rígido, com revista e retenção de aparelhos eletrônicos. O depoimento do advogado, somado à nota da Secom e à carta de Valeria Chomsky, enterra a narrativa.
Hipocrisia: Documentos mostram Epstein elogiando Bolsonaro
Os mesmos documentos citados para atacar Lula trazem um dado incômodo para a direita brasileira. Em uma troca de mensagens, Epstein se refere ao então candidato Jair Bolsonaro como “Bolsonara the real deal”, expressão que pode ser traduzida como “o cara de verdade” ou “o verdadeiro negócio”.
Apesar disso, os perfis bolsonaristas e veículos conservadores que exploraram o e-mail sobre Lula silenciaram seletivamente sobre o elogio de Epstein a Bolsonaro. A seletividade revela que o objetivo não é esclarecer fatos, mas usar pedaços de documentos de um criminoso sexual para alimentar narrativas convenientes na disputa política.
O estrago da desinformação e a responsabilidade jornalística
O episódio expõe como um trecho solto de e-mail, escrito por um abusador sexual condenado, foi transformado em arma contra um presidente. A sequência é típica da desinformação digital: um documento obscuro é pinçado, ganha verniz de escândalo por figuras influentes e é amplificado por redes de extrema direita.
Ao divulgar a carta de Valeria Chomsky, Glenn Greenwald ajuda a corrigir a narrativa que ele próprio havia impulsionado. Contudo, o estrago político e simbólico de associar Lula a Epstein já circulou em manchetes e vídeos que continuarão a ser usados por grupos radicalizados, mesmo após o desmentido.







