
Brasil – Autoridades federais e de São Paulo monitoram o fim da trégua entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). O Estadão apurou que chegaram ao conhecimento do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Ministério Público de São Paulo informações que apontam para o rompimento das duas maiores facções criminosas do País.
Em fevereiro, relatório de inteligência da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) revelou a existência de suposta aliança entre as organizações. A trégua teria sido informada aos membros das organizações criminosas para que suspendessem as mortes entre os grupos.
“Recebi vários comunicados (chamados de ‘salves’), que vieram de várias fontes da polícia, e também dos Ministérios Públicos “Seja do lado do PCC, com o comunicado falando sobre o fim da trégua, seja do Comando Vermelho”, disse ao Estadão o promotor do MP paulista Lincoln Gakiya, que investiga o PCC há 20 anos.
Quando a aproximação foi celebrada entre os grupos, a intenção era de fortalecer as facções, sobretudo para flexibilizar o tratamento a líderes dos traficantes presos no sistema penitenciário federal.
Ao Estadão, em março, o secretário de Políticas Penais do Ministério da Justiça, André Garcia, não havia confirmado a existência de trégua, mas disse haver “indícios, de algum tempo para cá, de tentativas desses acordos em função da representação judicial, estratégias de ataques judiciais”.
Na época, ele afirmou que havia acabado de retornar da Costa Rica, onde fica a Corte Intermamericana de Direitos Humanos, para defender a qualidade e a necessidade do modelo de presídios federais.
“Eu já não acreditava, desde o início, que essa trégua seguiria adiante, porque tanto o PCC quanto o Comando Vermelho têm interesses comuns, que são rotas (de venda de drogas) disputadas, principalmente na Região Amazônica, ou disputas por pontos de tráfico. Dificilmente alguém abriria mão simplesmente por haver determinação da cúpula”, afirma Gakiya,
PCC e o Comando Vermelho têm capilaridade em todo o País e conexões com o narcotráfico internacional, com envio de entorpecentes produzidos na América do Sul para Europa, África e Ásia.
Um integrante do alta cúpula da Polícia Militar paulista ouvido sob reserva pelo Estadão aponta que a repercussão dessa aproximação gerou dúvidas entre os membros do PCC e do CV, uma vez que há dificuldades, para quem está nas ruas, de se comunicar com as lideranças.
Além disso, um nome forte do Comando Vermelho – Marcinho VP – não teria aceitado o acordo, segundo integrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Para Gakiya, pesa ainda o fato de que, no CV, os grupos da facção nos Estados têm certa autonomia. “Nem todas as ordens que são determinadas pelo comando central, pelo conselho do Rio de Janeiro, acabam acatadas pelos Estados. É exatamente isso que levou ao fim desse acordo.”
Grupos têm integrantes presos em todos os Estados
Como o Estadão mostrou no ano passado, o PCC e o Comando Vermelho têm integrantes presos em quase todos os Estados. Outro relatório da Senappen, de 2024, já havia mostrado aliança desses grupos com facções locais, o que capilariza o poder do crime organizado e facilita logísticas regionais do tráfico.
No começo deste mês, policiais civis do Rio e de São Paulo deflagraram uma operação conjunta contra uma rede de lavagem de dinheiro a serviço das duas facções.
Segundo as investigações, o esquema movimentou R$ 6 bilhões no intervalo de um ano. Um banco digital chegou a ser criado para ocultar os recursos provenientes do tráfico de drogas.
As duas facções chegaram a manter uma “convivência equilibrada” até 2016, em uma fase de expansão das rotas de tráfico pela América do Sul, mas a situação mudou no ano seguinte. Em 2017, o Brasil teve um recorde com 64 mil homicídios. Por trás do número, estava a escalada dos confrontos dentro das cadeias, com massacres no Amazonas e no Rio Grande do Norte.