
O juiz Rodrigo Marques Silva Lima, da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba, havia determinado a internação de Gerson de Melo Machado — o “Vaqueirinho” — cerca de um mês antes de ele invadir a jaula de uma leoa em João Pessoa e morrer no ataque. A decisão, à qual a coluna teve acesso, foi tomada após um processo em que Gerson quebrou o portão do Centro Educacional de Adolescentes (CEA) no início do ano. Na ocasião, policiais precisaram usar spray de pimenta para contê-lo, diante de um quadro de “alteração mental decorrente do uso de drogas”.
Com base em laudo pericial que diagnosticou esquizofrenia, o juiz concluiu que Gerson era “inteiramente incapaz de compreender o caráter criminoso de seu ato”, absolveu-o impropriamente e determinou sua internação em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). O magistrado afirmou que essa seria a medida adequada para garantir tratamento médico-psiquiátrico intensivo e supervisionado, com internação mínima prevista de um ano. A determinação, porém, nunca foi cumprida.
Em 24 de novembro — três semanas após a ordem de internação e oito dias antes de sua morte — Gerson voltou a ser preso por arremessar um paralelepípedo contra o para-brisa de uma viatura. Na audiência de custódia no dia seguinte, a juíza Michelini de Oliveira Dantas Jatobá, da 1ª Vara Regional do Juízo de Garantias, decidiu libertá-lo.
A morte de Vaqueirinho
Gerson, de 19 anos, acumulava 16 passagens pela polícia por danos e pequenos furtos. Ele apresentava transtornos mentais e, segundo relatos de policiais que conviviam com ele, repetia insistentemente o sonho de “ir à África cuidar de leões”. Esse delírio antigo terminou em tragédia quando ele entrou na jaula da leoa no Parque Arruda Câmara.
Uma vida marcada por abandono
A trajetória de Vaqueirinho expôs uma realidade de pobreza extrema, abandono e falta de acompanhamento psiquiátrico adequado. A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que o acompanhou por oito anos, descreve o caso como devastador.
Ela conta que Gerson cresceu sem apoio familiar, filho de uma mãe com esquizofrenia e de avós com problemas de saúde mental. Foi encontrado pela primeira vez aos 10 anos, caminhando sozinho por uma rodovia federal. Desde então, passou pela rede de proteção da infância.
Mesmo após perder o poder familiar, a mãe continuava sendo procurada pelo jovem — que, segundo a conselheira, nutria uma esperança impossível. Ele fugia do abrigo para tentar reencontrá-la. A mulher, também doente, não conseguia assumir seu cuidado e chegou a procurar o Conselho Tutelar para devolvê-lo.
O sonho recorrente
Desde a infância, Gerson repetia seu desejo fantasioso: viajar para a África e “domar leões”. Para quem conviveu com ele, esse sonho simbolizava tanto sua fragilidade quanto a falta de estrutura que o acompanhou até o fim.




